Escravos de si mesmos

Ser escravo é perder o controle sobre si mesmo. Quando ouvimos essa palavra, imediatamente imaginamos homens machucados, rostos tristes e sofrimento, enquanto um carrasco está presente com seu chicote pronto para causar mais dor. Mas e quando o carrasco somos nós mesmos? Até que ponto nos permitimos escravizar e nos flagelar sem remorso? Até que ponto nos submetemos a correntes que nós mesmos criamos? Até que ponto somos capazes de destruir nossa própria essência?

Você verá neste estudo que um dos maiores carrascos de nossa vida somos nós mesmos, pois ninguém pode escravizar nossa alma, a não ser nós mesmos.

O que é ser escravo?

O termo "escravo" tem sua definição como "aquele que, privado da liberdade, está submetido à vontade de um senhor, a quem pertence como propriedade". Refere-se a uma pessoa que é propriedade de outra, muitas vezes sujeita a uma forma de coerção e forçada a trabalhar para a pessoa que a detém, sem a possibilidade de se libertar dessa condição. Historicamente, a escravidão foi uma prática amplamente difundida em várias culturas e sociedades, envolvendo a subjugação de indivíduos com base em fatores como raça, classe social ou mesmo dívidas.

Mas, buscando sentidos mais amplos do sentido da escravidão, vamos ver que não somente os humanos podem escravizar. Coisas também podem se tornar escravizadores. Você já pode ter ouvido algumas expressões como "escravo do álcool", "escravo do cigarro", "escravo do celular", etc. Enfim, essas coisas podem nos escravizar, porque podem chegar a um ponto em que poderão nos controlar, e se tentarmos sair, não vão deixar facilmente. Basta pensar em um alcoólatra: se ele disser "vou abandonar a bebida", na maioria dos casos não conseguirá facilmente. Além dos açoites físicos, também haverão os açoites psicológicos.

Além dos vícios, ainda temos outros possíveis escravizadores, e esses são ainda piores do que os mencionados acima: são nossos sentimentos. Orgulho, inveja e soberba são sentimentos escravizantes, porém com um diferencial: o escravo passa a gostar de seu senhor! Agora, surge um problema realmente difícil de se resolver, mas não impossível.

As cadeias passam a ser seu lar

É estranho o fato de que haverá pessoas que vão gostar de suas prisões! Mas particularmente eu tenho visto inúmeros casos assim. Pessoas que vivem como escravas, mas gostam de suas cadeias e se você disser que elas precisam se libertar disso, você pode perder sua amizade.

É incrível como há pessoas que não conseguem enxergar que estão presas! É como um alcoólatra que diz que não está viciado na bebida, mas não consegue ficar um dia sequer sem estar embriagado. Isso acontece porque as novas cadeias têm atrativos que mudam a forma de vê-las e, por isso, se tornam agradáveis. No entanto, como um trabalhador escravo, essas pessoas não têm outro fruto senão açoites. Você pode se perguntar: "Mas que açoites?" Um dos piores açoites que as pessoas podem viver é não conseguir se separar daquilo que as oprime. Por exemplo, o entretenimento. Eu conheço casos de pessoas que ficam ansiosas e raivosas se estiverem sem seus celulares. Algumas até passam mal, mas não conseguem se dar conta de que estão viciadas no dispositivo e nem mesmo aceitam ouvir isso.

Mas, o que as Escrituras podem nos dizer sobre este assunto, que parece tão simples, mas ao mesmo tempo tão complexo? Vamos ver na Bíblia casos de pessoas que se tornaram escravas de si mesmas, devido aos seus maus hábitos, desejos insanos, orgulho, etc.

1º senhor: A inveja

A inveja é um sentimento que nasce dentro de uma pessoa que deseja ocupar o lugar de outra. Uma pessoa que gosta de ser o centro de tudo, ao perceber que sua posição pode ser ameaçada por outra, inicia uma perseguição desenfreada. Algumas coisas são frutos da inveja, como a maledicência e a cobiça. O invejoso sempre desejará prejudicar a reputação do invejado e também almejará suas posses, ou até mesmo coisas que se equiparem às do invejado, mas em um nível mais elevado, como bens materiais, posições sociais e, acredite, até mesmo os amigos do invejado serão cobiçados pelo invejoso.

Vamos ver aqui, alguns casos clássicos de inveja citados nas Escrituras.

Caim e Abel

"⁶E o Senhor disse a Caim: Por que te iraste? E por que descaiu o teu semblante? ⁷Se bem fizeres, não é certo que serás aceito? E se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar. ⁸E falou Caim com o seu irmão Abel; e sucedeu que, estando eles no campo, se levantou Caim contra o seu irmão Abel, e o matou." Gênesis 4:6-8

Um cenário clássico, onde Caim (o invejoso) deseja a reputação de seu irmão, Abel, mas sem oferecer um sacrifício digno. Caim ofereceu seu sacrifício e Deus o receberia se fosse feito corretamente. No entanto, como nos informa o verso 7, se ele o tivesse oferecido de maneira adequada, certamente seria aceito, mas não foi. Isso nos leva a entender que o sacrifício de Caim não foi realizado de forma adequada. No entanto, ele esperava a mesma recompensa que Abel, que procurou fazer com perfeição. Por não conter seus impulsos, sua ira aumentou grandemente, levando-o a matar seu próprio irmão.

Quando a inveja toma conta dos pensamentos do indivíduo, ela o cerca o tempo todo, impedindo-o de pensar em outra coisa que não seja uma forma de prejudicar o outro. Esses pensamentos ficam rodeando a mente da pessoa, escravizando-a, trazendo estresse, irritação e uma sensação de perseguição. Infelizmente, aquele que tem inveja não se dá conta disso e a alimenta como quem cuida de um mascote, sem saber que ela o controla e não o contrário.

Os fariseus contra Jesus

"Porquanto ele bem sabia que fora por inveja que os chefes dos sacerdotes lhe haviam entregado Jesus." Marcos 15:10

Como Jesus ensinava com grande autoridade e detinha um conhecimento incomparável, muitos fariseus se sentiram ameaçados em sua posição e queriam deter Jesus ao perceberem que Ele era superior a eles. Então, usaram das mesmas ferramentas: maledicência e cobiça. Muitos fariseus dedicaram-se a confundir as pessoas sobre as palavras de Jesus, distorcendo-as e fazendo isso com aqueles que desejavam segui-lo. Sua inveja os impedia de raciocinar sobre o que tinham diante de si. Tinham o Senhor, a quem cultuavam, diante deles, mas foram cegados pela inveja, que controlou seus pensamentos e suas palavras, fazendo-os perder a maior oportunidade de suas vidas: conhecer o Salvador face a face. A inveja, além de escravizar, nos rouba grandes oportunidades.

2º senhor: o orgulho

"¹E Korach, filho de Izar, filho de Coate, filho de Levi, tomou consigo a Datã e a Abirão, filhos de Eliabe, e a Om, filho de Pelete, filhos de Rúben. ²E levantaram-se perante Moisés com duzentos e cinqüenta homens dos filhos de Israel, príncipes da congregação, chamados à assembléia, homens de posição..." Números 16:1-2

Talvez seja correto afirmar que o orgulho é um dos gatilhos da inveja. O orgulho pode ter uma definição positiva, por exemplo, quando usamos a expressão "orgulho de ser cristão". Essa frase denota o orgulho como satisfação por fazer parte de algo importante. Quando falamos do orgulho nesse sentido, não é pecado. No entanto, quando nos referimos ao orgulho em sua forma de soberba ou arrogância, torna-se extremamente nocivo, tanto para quem o detém quanto para aqueles que estão próximos.

Em um sentido negativo, o orgulho pode manifestar-se como arrogância, soberba ou uma atitude de superioridade em relação aos outros, frequentemente acompanhada de desconsideração pelos sentimentos ou realizações alheias. O orgulho leva a pessoa a desconsiderar quaisquer opiniões e pensamentos alheios. Nessa forma, o orgulho pode ser visto como uma forma de idolatria, onde a pessoa pensa que ela mesma é a fonte de tudo o que conquista.

O cenário que vemos neste texto de Números é o seguinte: Korach (algumas traduções o apresentam como Coré) era um homem de bastante conhecimento e proveniente de uma família sacerdotal, sendo descendente de Levi. Ele se levantou contra Moisés, questionando a autoridade deste, pois se considerava superior a ele. Como se não bastasse, ele ainda convenceu outras pessoas a ficarem ao seu lado, criando um motim contra Moisés. O motivo era seu sentimento de superioridade e arrogância junto ao seu desejo de tomar o lugar de Moisés.

Assim como na inveja, a ferramenta usada aqui foi a maledicência, onde Korach persuadiu 250 pessoas contra Moisés usando falas descontextualizadas e ambiguidades para confundir o povo, como claramente observado no texto. Faço aqui uma pequena ressalva: cuidado com grupos exclusivos na igreja. A afinidade nunca deve ser confundida com exclusão de outros. A exclusão ocorre quando uma pessoa é evitada devido a algum preconceito contra ela, não por questões de afinidade. O preconceito é um sentimento de repúdio por uma pessoa devido a alguma característica que incomoda o preconceituoso, como raça, família, costumes, etc. A afinidade não tem nada a ver com preconceito; ao contrário, está relacionada à amizade e confiança que se desenvolvem entre pessoas que convivem próximas, beneficiando ambas as partes. Resumindo: afinidade está relacionada à amizade e confiança, enquanto exclusão está relacionada ao preconceito. Para testar se uma ação é falta de afinidade ou exclusão, basta fazer o seguinte: no seu grupo de amigos, convide uma pessoa que não faça parte desse círculo. Se as pessoas estiverem abertas para receber o novo membro, é apenas uma questão de afinidade; se as pessoas ficarem incomodadas com a presença do novo membro, provavelmente é preconceito.

Voltando ao assunto, o orgulho traz consequências gravíssimas para a pessoa. Pelo orgulho, o indivíduo toma decisões impensadas e se prejudica. Por exemplo, nos dias de hoje, vemos pessoas que gastam dinheiro que não têm para ostentar uma posição social e impressionar os outros, e depois enfrentam as consequências. Além disso, o orgulho afasta as pessoas. Com o tempo, o orgulhoso acaba por ser evitado, já que cria muitas inimizades.

Entre as ações do orgulhoso, estão a autoafirmação, a exaltação exagerada de seus feitos e, frequentemente, muitas críticas ao trabalho alheio. Isso é feito porque ele quer se sentir superior, e ao criticar os feitos dos outros, sente-se como se fosse um "guru" sobre o assunto do outro. No entanto, é importante ressaltar que não estou afirmando que ensinar algo que você sabe é uma ação de orgulho. A intenção de mostrar seu conhecimento é o que vai definir se a ação está sendo feita por orgulho ou pelo ato de compartilhar. Ambos são completamente opostos em si. Aquele que está compartilhando seu conhecimento escolhe ser útil para os outros e busca fazer com que seu trabalho seja construtivo para aqueles que o acompanham. Já o soberbo busca diminuir as outras pessoas com seu conhecimento.

Também em comparação com a inveja, o orgulhoso não se dá conta de quem realmente é. É comum o orgulhoso exaltar sua "humildade" (que paradoxo!!!). Como o orgulho é algo difícil de ser aceito, as pessoas começam a evitar o orgulhoso, e ele acaba ficando sozinho. O chicote do orgulho é a solidão e/ou a derrota nas coisas que faz.

3º senhor: o entretenimento

Hoje, observo muitas pessoas dizendo a frase "não tenho tempo", mas conseguem perder várias horas do dia na frente do celular, lendo artigos inúteis em suas redes sociais e reportagens sem valor algum. Outros são viciados em jogos eletrônicos e também ficam presos a dispositivos como celulares, video games e computadores.

É importante afirmar que o entretenimento em si não é um mal; o problema é o vício. Voltando ao exemplo das redes sociais, vemos que as pessoas passam horas vendo posts alheios de indivíduos que, muitas vezes, nem conhecem. Além disso, ainda perdem um tempo valioso postando futilidades.

Uma pessoa viciada em redes sociais não consegue ficar muito tempo sem usar seu celular e, ao ver as postagens dos outros, acaba se sentindo inferior e, sem perceber, em muitos casos começa um processo de depressão. Como ela não consegue se desprender desse vício, perde o controle de sua vontade, se rendendo a ele e tornando-se escrava do entretenimento. No entanto, como mencionado no início deste artigo, existem pessoas que amam suas próprias cadeias, e a cadeia do entretenimento é uma das mais amadas.

Já vi vários casos de pessoas que literalmente se trancam dentro de um quarto para ficarem jogando jogos eletrônicos. Outras passam a noite vendo posts em redes sociais e muitos outros casos semelhantes a estes.

Recentemente, descobri que essa preocupação não é só minha! O pastor presbiteriano John Piper passou um ensino valioso para um dos leitores de seu blog que afirmava estar viciado em videogame. Veja um trecho do texto:

Com base nas palavras de Jesus, que diz que você será conhecido por seus frutos, Piper destacou: “As pessoas podem dizer, sentir e achar muitas coisas, mas um teste decisivo é o fruto. Passar três horas por dia em um videogame, desperdiçar sua preciosa vida, não é um fruto de estar convencido de que a comunhão com Jesus é melhor”.
Piper acredita que, muitas vezes, os dispositivos tecnológicos tomam o lugar de Deus em nossas vidas. “Ele toma lugar como rei da sua vontade...fazendo com que você se lance como um escravo”, afirma.
“Aqui está o meu conselho: Arranque seu olho e corte sua mão”, disse o pastor, referindo-se ao versículo de Mateus 5, que diz: “Se o seu olho direito o fizer pecar, arranque-o e lance-o fora”.
Para que o entretenimento não tome o lugar de Deus em seu cotidiano, Piper faz um alerta: “Livre-se de todos os aplicativos que te sugam e tornam você em um escravo. Arranque do seu celular. Arranque imediatamente”, afirmou.

Entrevista com John Piper
Site Guiame. Acesso: https://guiame.com.br/gospel/mundo-cristao/o-entretenimento-toma-o-lugar-de-deus-em-nosso-dia-dia-diz-john-piper.html

Eu gostei muito das palavras de Piper e de sua comparação com o texto de Mateus 5:30, "...se tua mão te faz pecar, arranca de ti...". É interessante que aquilo que te afasta de Deus deve ser expurgado. É algo tão óbvio, mas pouco compreendido entre todos os cristãos. Dentre as palavras de Piper, vemos que ele citou exatamente o tema deste estudo, pois ele disse que "...aquilo que te suga te faz um escravo". Nas palavras de John Piper, já encontramos como alcançar a liberdade dessa escravidão: livre-se de qualquer coisa (ou neste caso aplicativo) que te prenda!

Ainda aproveitando o texto do site Guiame, vemos que o vício do entretenimento rouba o tempo com Deus, ou seja, destrói nosso relacionamento com Ele. Nosso maior tesouro é nosso relacionamento com Deus; se o perdermos, é como se estivéssemos perdendo nossa própria vida. Acredite: o entretenimento pode fazer isso facilmente contigo, especialmente porque, como nos outros casos já citados, este "senhor" acaba sendo amado por seu escravo, e essa cadeia passa a ser seu lar; então, o escravo passa a não querer ser liberto. Cuidado!

4º senhor: A ansiedade

"Não andem ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, pela oração e súplicas, e com ação de graças, apresentem seus pedidos a Deus." - Filipenses 4:6

É completamente irrelevante destacar que a ansiedade é um mal grave pois é obvio demais pelos resultados que ela traz. A Bíblia nos ensina que ela é um mal, e a medicina comprova que ela traz muitas consequências graves para o corpo, podendo até mesmo diminuir a vida. A ansiedade é difícil demais de combater, então o que fazer? Em minha opinião, o ideal é não apenas se livrar da ansiedade, mas também da causa dela!

Todos têm ansiedade, mas o transtorno de ansiedade é algo mais profundo. É um excesso de preocupação com o futuro. Essa preocupação pode envolver qualquer área da vida, como a econômica, social, afetiva e até mesmo questões espirituais. O transtorno de ansiedade é tão grave que pode causar efeitos psicossomáticos a ponto de uma pessoa precisar ser medicada para amenizar os danos.

David Murray fala bastante sobre esse assunto em seu livro Reset. Um dos temas mais interessantes, amplamente abordado no livro, foi como pastores tiveram que se afastar de seus ministérios por estarem ansiosos. Ele compartilha várias experiências próprias onde seu ministério se tornou um peso devido a erros de administração do tempo e compreensões equivocadas sobre o próprio ministério.

Murray passou por muitos momentos de dificuldade até que entendeu que não deve ser o "dono" de todas as situações. Ele afirmou inclusive que isso é um tipo de idolatria, porque se via responsável e capaz de resolver tudo, esquecendo-se de que uma parte é do homem e outra é de Deus. Além disso, nós ainda devemos entender que podemos (e devemos) delegar responsabilidades a pessoas de confiança para nos ajudar com o ministério. Podemos ver um exemplo disso no livro de Êxodo, no capítulo 18, onde Jetro aconselha Moisés a delegar tarefas a pessoas confiáveis para aliviar sua própria carga. (Veremos mais detalhes à frente).

O erro de Murray em sua compreensão disso o levou a uma depressão que afetou tanto ele quanto sua família e ministério. Assim, quero enfatizar que, quando falamos de ansiedade no meio cristão, quase nunca assumimos que nosso ministério pode ser um dos causadores de ansiedade, não por si só, mas devido a erros na administração das responsabilidades relacionadas a ele.

Murray disse que resolveu seu problema de transtorno de ansiedade da seguinte forma: restringiu momentos para ler e-mails e mensagens, evitou noticiários sobre tragédias e desgraças, e redes sociais que não tinham nada de construtivo, e procurou passar mais tempo com sua família e amigos. Talvez você queira saber o que ele fez em relação ao ministério. Então, vamos lá:

Ele cuida de suas responsabilidades nos horários agendados; em outras palavras, criou uma rotina e evita ao máximo fugir dela. Somente emergências cabem na exceção para tais. Como palestrante, ele determinou uma agenda máxima de compromissos mensais e separa um dia na semana para folga, além de um mês do ano para férias, e não abre mão disso. Além dessas práticas, ele ensina várias coisas em seu livro que são muito evidentes para nós, mas que frequentemente negligenciamos, porque entendemos que se não estamos na igreja, estamos em falta com Deus. Obviamente, é um equívoco, já que para servirmos a Deus no Templo, precisamos estar saudáveis para tal!

Deus nos deu responsabilidades e estas devem ser cumpridas, mas o próprio Deus criou o descanso, como prova disso está nas Escrituras, quando Jesus diz: "...o sábado foi feito para o homem" (Mt 2:27). O dia do descanso foi designado para que o homem tivesse literalmente um descanso físico, ou seja, para seu corpo e sua mente descansarem. O descanso não é para trocar de atividades; é para descanso. Tudo no mundo precisa de descanso, até mesmo a terra para uma plantação deve ter seu ano sabático. Então, por que achamos que não devemos parar para descansar?"

Quando vejo pessoas sobrecarregadas, fico na dúvida: elas realmente têm muitas atividades ou não sabem administrar seu tempo? É comprovado que pessoas que administram melhor seu tempo são mais produtivas (inclusive, David Murray também cita isso em seu livro), mas alguns acham que se pararem para o descanso vão perder tempo; mal sabem que sua falta de controle é o que os faz perder tempo, e muito.

Quando queremos ser donos de todas as situações, estamos tentando "ser Deus". Achamos que se todas as coisas não estiverem em nossas mãos, elas podem dar errado. Temos a arrogância de achar que ninguém consegue fazer algo tão bem quanto nós fazemos. Muitas vezes, nos sobrecarregamos porque queremos receber mérito por tudo; assim, voltamos a ser escravos do orgulho.

Em Êxodo 18, vemos uma situação muito interessante que ocorre com Moisés: ele atendia pessoas o dia inteiro e nunca terminava, afinal, eram milhares delas. Seu sogro, Jetro, viu o que estava acontecendo e sabiamente aconselhou:

"...Não é bom o que fazes. Totalmente desfalecerás, assim tu como este povo que está contigo; porque este negócio é mui difícil para ti; tu só não o podes fazer..." Êxodo 18:13-27

Jetro percebeu que o que Moisés fazia era demais para ele sozinho e aconselhou que Moisés estabelecesse regras (estatutos) e escolhesse homens sábios e de confiança para si, a quem ele ensinaria e delegaria tarefas. Somente os casos mais graves deveriam ser levados a Moisés. Mesmo sendo chamado por Deus para tal ministério, não era bom que Moisés fizesse tudo sozinho. Jetro ainda acrescentou que isso não seria bom para ele nem para o povo!

Muitos ministros de Deus acreditam que se não estiverem na frente de tudo estão negligenciando a Deus, mas isso não é verdade. Há uma parte que nos cabe e essa devemos fazer com muita responsabilidade, mas também há uma parte que devemos delegar, assim como Moisés fez, aconselhado por seu sogro.

Não devemos pensar que o transtorno de ansiedade tem sua causa apenas no trabalho ou nas responsabilidades fora da igreja. As causas desse transtorno podem ser o excesso de trabalhos eclesiásticos, que consomem tanto o físico quanto o psicológico. Ainda falando sobre os exemplos de David Murray, ele diz que as questões dos membros de sua igreja eram tão sérias que tiravam-lhe o sono. Ele ficava sem dormir devido à grande preocupação com as decisões que deveria tomar, algo que seria bem mais leve se ele tivesse dividido a carga.

A ansiedade não é um escravizador como os anteriores citados neste estudo, nos quais os escravos acabam gostando de seus senhores, mas talvez seja a figura mais difícil de ser extirpada de nossas mentes. Ela oprime, prejudica o corpo e a mente, e conseguir se livrar dela é muito difícil. Por isso, insisto que devemos eliminar as causas dela.

Todos os excessos são prejudiciais. Até mesmo aquilo que nos dá prazer pode se tornar uma tortura se for excessivo. Portanto, para começar a trabalhar para reduzir sua ansiedade a um nível normal, comece pelo que está em excesso em sua vida. Se você tem uma carga de responsabilidades muito grande, é melhor começar a abdicar de algumas delas. É melhor fazer pouco, mas muito bem feito, do que tentar fazer tudo e ter resultados negativos. Deixe espaço para outras pessoas trabalharem também. Permita que elas o ajudem em algumas tarefas e passe mais tempo com a família e amigos. Também procure passar tempo em solitude, momentos a sós para reflexão. Um momento consigo mesmo é muito saudável e revigorante.

Costumo passar duas ou três vezes por semana um tempo de 1h ou um pouco mais, sozinho em minha sala no fim da noite. Durante esse período, leio um livro ouvindo uma playlist de músicas calmas em um volume bem baixo. Enquanto faço isso, olho para a sacada do meu apartamento, admirando a paisagem das montanhas e do céu estrelado. Quando não estou lendo, apenas aprecio a paisagem e reflito sobre como Deus é perfeito ao criar tudo o que vejo. Pode parecer algo irrelevante, mas tem um efeito muito poderoso em minha vida. Acredito que possa ter o mesmo efeito para outras pessoas também.

Nos meus momentos de reflexão, costumo agradecer a Deus por poder enxergar, andar, comer, por ter minha família, por ter amigos e por muitas outras coisas. Muitas dessas coisas passam despercebidas por muitas pessoas, e esse é outro motivo pelo qual as pessoas estão estressadas. Elas não se dão conta do quanto têm e vivem ansiosas buscando mais. É uma compulsão por ter mais. Além disso, a gratidão é algo que traz paz e alegria.

Práticas como essas podem mudar significativamente nossa forma de encarar as responsabilidades, tornando-nos mais produtivos e, ao mesmo tempo, menos ansiosos. O simples fato de reservar um momento para cada atividade é fundamental para controlar a ansiedade.

No site Woman Living (Acesso: https://proudlywomen.org), há uma matéria sobre transtorno de ansiedade e os males que ele causa. É incrível ver os efeitos desse transtorno e, para piorar, muitas pessoas não gostam de admitir que podem ter esse problema, por temerem ser vistas como fracas. Na matéria "Entendendo o Transtorno da Ansiedade¹", o autor explica que esse transtorno, além dos efeitos psicossomáticos, também traz prejuízos sociais. Ele menciona que pessoas com transtorno de ansiedade podem desenvolver síndrome do pânico, paranoia e acreditam que estão sendo constantemente julgadas por outras pessoas. Independentemente da causa, a ansiedade pode acarretar uma série de problemas graves, afetando o indivíduo em todas as áreas de sua vida, inclusive na espiritual.

Uma pessoa com transtorno de ansiedade não consegue orar, ler a Bíblia ou meditar nas Escrituras, nem mesmo adorar. O relacionamento com Deus é prejudicado pela falta de controle emocional. Portanto, enfatizo: se a ansiedade é tão difícil de controlar, devemos abordar suas causas. Reflita: o que está consumindo tanto do seu tempo e das suas emoções a ponto de você não conseguir controlar?

Todos nós temos um senso de responsabilidade e compromissos, o que é bom. Não estou sugerindo que devamos ser completamente despreocupados com nossos compromissos, mas quando esse senso de responsabilidade sai do controle, devemos estar atentos, pois podemos estar à beira de um transtorno de ansiedade.

Conclusão

Vimos neste estudo que nós criamos cadeias para nós mesmos e que, em vários casos, as cadeias são amigáveis e passamos a gostar delas. Em outros casos, elas nos oprimem, mas são difíceis de nos libertarmos. O primeiro passo para nos livrarmos de qualquer escravizador da alma é reconhecer nossos erros. Por exemplo, o soberbo precisa enxergar que está querendo se sobrepor; o viciado em alguma coisa precisa perceber que não consegue ficar sem seu objeto viciante; o ansioso deve se dar conta de que não é onipotente e que pedir ajuda não é um sinal de fraqueza, mas de inteligência.

Como resultado do livramento dos escravizadores, teremos uma vida espiritual melhor, pois conseguiremos ter um relacionamento mais íntimo com Deus, reservando mais momentos para oração e adoração. Estaremos mais atentos ao que Deus está fazendo em nossas vidas e, consequentemente, teremos mais motivos para gratidão. Além dos benefícios espirituais, também experimentaremos melhorias comportamentais: seremos mais calmos, sábios ao falar e ouvir, mais carinhosos uns com os outros e cultivaremos mais amizades. Nossa família desfrutará de momentos prazerosos juntos, entre outros benefícios.

Deus nos chamou para a liberdade, e mesmo que possamos nos sentir aprisionados por circunstâncias externas, permaneceremos verdadeiramente livres se tivermos sabedoria para controlar nossas emoções, sentimentos e condutas. Que Deus abençoe a tua vida e te faça prosperar. Em Nome de Jesus, amém.

20 de fevereiro de 2024
Por Rogério Filho


Notas

  • ¹ - Entendendo o transtorno da ansiedade. Site: Woman living. URL: https://proudlywomen.org/understanding-anxiety-disorder-and-knowing-when-to-seek-help/?gad_source=1&gclid=Cj0KCQiA2KitBhCIARIsAPPMEhJ9Y3AOvnqBL1TglDfqzdWGL6yAnjG1rcINqbA3ByE7l5hPCr0Gk3AaArDiEALw_wcB


  • Murray, D. (2018). Reset - Vivendo no ritmo da graça em uma cultura estressada. Editora Fiel.

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