O Sermão do Monte (parte 1)

Imagem: Esboço de sermões. Acesso: https://www.esbocosdesermoes.com/2016/02/conclusao-do-sermao-do-monte.html


1. Introdução

Este estudo tem como base o Sermão do monte (Mateus cap 5 ao 7), baseado nas mensagens de John Wesley em seu livro "O Sermão do Monte" (Penkall). Os princípios ensinados por Jesus nesses dois capítulos, são como um compêndio de toda a Bíblia. Cada mensagem de Jesus aqui tem uma abordagem de todas as áreas da vida de um verdadeiro cristão e cada palavra de cada verso deve ser cuidadosamente analisada, aprendida e praticada. É isso que vamos fazer neste estudo.


2. Bem aventurados os pobres de espírito (Mt 5:3)

John Wesley começa o texto de sua mensagem com o verso 3. Na explicação de Wesley, vamos ver que os pobres de espírito são as pessoas que essencialmente são humildes. Mas, precisamos antes de entrar diretamente nas palavras de Wesley, vamos falar um pouco sobre a definição de humildade.

2.1 - Humildade

Este conceito é confundido por muitos, pois uma pessoa é vista como humilde quando sua situação econômica é baixa ou seu comportamento introvertido ou ainda, quando é uma pessoa tímida. Vamos definir corretamente a humildade.

A humildade é uma qualidade ou característica que envolve a modéstia, a ausência de orgulho ou arrogância e uma disposição genuína para reconhecer as próprias limitações, erros ou fraquezas. Uma pessoa humilde não se coloca acima dos outros e não se gaba das suas realizações; ao contrário, ela reconhece a igualdade entre todos e está aberta a aprender, crescer e ajudar os outros sem menosprezá-los. A humildade frequentemente está ligada à empatia, respeito e humildade intelectual, permitindo um relacionamento saudável com os outros e consigo mesmo”.
(fonte: chatGPT)

Nesta definição, em primeiro lugar precisamos entender que: uma pessoa pobre, pode ser arrogante ao ponto de se achar melhor do que outros, usando de vitimização para dizer que “merece” mais do que outros devido à sua situação. Uma pessoa introvertida, pode ser quieta e afastada, mas, dentro de si, ela se isola porque se acha superior aos outros, etc.

Se pensarmos bem sobre o que é uma pessoa humilde, vamos chegar à conclusão que a humildade não é simplesmente um conceito, mas, uma prática. Vamos voltar para a definição:

a). “uma disposição genuína para reconhecer as próprias limitações
O homem é pecador e com isso, tem suas falhas que nunca vão cessar. Nesse cenário, podemos entender que um homem humilde, sempre vai entender que é completamente dependente do perdão de Deus para tudo, pois ele sabe que sua maior limitação é a incapacidade para a perfeição. Por mais que uma pessoa se ache justa, ela terá momentos de pecado, como por exemplo, pensamentos pecaminosos, maledicência, inveja, etc. Vemos esse reconhecimento de sua limitação em expiar o próprio pecado em Davi, no salmo 51 quando ele ora desesperadamente pelo perdão de Deus e suplica que o Espírito de Deus não fosse retirado dele. Ou seja, Davi, apesar de rei, sabia que sem Deus ele não era nada.

b). “não se coloca acima dos outros”.
Pessoas arrogantes nunca sabem ouvir. Elas desejam que suas palavras sejam as mais bem avaliadas. Tentam refutar todo comentário e/ou ensino alheio, porque entendem que são os mais sábios. São os que querem “falar mais alto”, querem que suas opiniões sejam ouvidas e sempre descartam qualquer possibilidade de estarem errados. A pessoa que não se coloca acima dos outros sempre vai apreciar ouvir as outras pessoas, mesmo que estejam em discordância com seus conceitos e sabem que podem aprender com pessoas de todos os tipos.

c). “A humildade frequentemente está ligada à empatia, respeito e humildade intelectual
Quando uma pessoa é realmente humilde, ela tem empatia, que é o fato de ser agradável aos outros. Independente das palavras que uma pessoa arrogante use, ela nunca será empática, porque no momento que esbarrar em alguma questão de discordância, ela tomará posição de repudiar as outras. A questão do respeito e humildade intelectual é o fato de mesmo sabendo da inferioridade de conhecimento de outras pessoas, o humilde sempre vai valorizar todas as pessoas sem medir “Q.I.”. O humilde entende que sempre há conhecimento que possa ser ensinado por diversos tipos de pessoas que ele sabe que não detém todas as áreas do conhecimento.

d). “permitindo um relacionamento saudável com os outros e consigo mesmo
A humildade tem como resultado um relacionamento saudável com todas as pessoas ao redor, mas, também um inter relacionamento melhor. Uma pessoa arrogante, vive em conflito consigo mesma, impondo-se reações sobre tudo e contra todos que possam “diminuir” sua reputação.

2.2 - Quem são os pobres de espírito?

São aqueles que ao fazerem uma introspecção conseguem enxergar sua pequenez e incapacidade de auto expiação. Como nas palavras de Wesley, por menor que sejam os pecados, o pobre de espírito sabe que não pode pagar por nenhum deles, por mais insignificantes que sejam e não há obras que podem “escondê-los” . Também sabem que são tão pecadores como qualquer outra pessoa e seu sentimento é de tristeza quando pecam.

Ainda que os pecados não sejam percebidos imediatamente, ao ter consciência de seu erro, o pobre de espírito se arrepende profundamente e procura não voltar mais ao erro. O pecado incomoda, não só porque sabe de seu erro, mas, porque sabe que isso o afasta de Deus.

Imagem: Igreja Universal. Acesso: https://www.igrejauniversal.pt/o-religioso-hipocrita-e-o-pecador-sincero/

Um exemplo prático disso, podemos ver no capítulo 18 de Lucas, quando lemos a parábola do Fariseu e do publicano. Nessa parábola (Lucas 18:9-17), Jesus diz que o publicano saiu justificado, porém, o fariseu não. Qual foi a diferença? O publicano reconhecia sua condição de pecador, apesar de ser afrontado pelo fariseu, ele não tentou se justificar, sua oração foi simplesmente “tem misericórdia de mim, pecador”.

2.3 “...porque, deles é o Reino dos céus”

O verso 3 termina explicando “porque, deles é o Reino dos céus”. Somente com humildade podemos ter um arrependimento sincero e agradável a Deus. Não importa o que a pessoa seja, o que a pessoa faça, se ela não for humilde, ela nunca vai alcançar a Deus, mas, Jesus nos ensina que o oposto, esses já são dignos da herança. Mas, como podem ser dignos se são pecadores? É porque Deus ama os humildes e os recebe. Não que eles sejam dignos no sentido literal, mas, Jesus os torna dignos pelo seu próprio sacrifício.

Concluindo, o conceito de pobres de espírito, se refere a todas as pessoas que têm um coração realmente humilde na mais profunda essência da palavra e que seu coração está totalmente voltado para buscar e alcançar a Deus.

3. Bem aventurados os que choram, pois eles serão consolados (v. 4)

Os que choram” pode ser uma expressão confusa, porque podemos pensar “os que choram pelo quê?” Então, vamos ver como John Wesley classificava essa expressão.

Em resumo, Wesley explica que “os que choram”, não são aqueles que choram por uma perda, ou por uma frustração, ou ainda, por indignação ou ofensa, ou qualquer outro motivo materialista. Segundo Wesley, há mais de um motivo para os que choram.

a). São aqueles que choram por Deus, São aqueles que experimentaram o perdão de Deus, mas, voltaram a cair e em seu coração, desejam ardentemente o perdão de Deus por saberem que estão de volta no pecado (Sermão do Monte, p 22, §3). Assim, podemos novamente citar Davi no Salmo 51. O comportamento de Davi, foi de um literal desespero, pois sabia que Deus estava entristecido com sua ação. Os que choram, são aqueles que agora estão buscando novamente pelo amor de Deus e não se contentam com as consolações humanas. Seu contentamento estará completo somente quando sentirem o perdão de Deus novamente.

b). Também os que choram, são aqueles que choram pela afronta daqueles que perguntam: “onde está teu Deus? Teus pecados foram realmente perdoados?” A perseguição dos homens sobre aqueles que confiam em Deus e que buscam andar segundo a Sua vontade. Ao andarem na contramão do mundo, são perseguidos por isso. Podemos ver isso muito claramente nos dias de hoje, onde os princípios cristãos são chamados de antiquados, princípios como obediência, fé, respeito aos mais velhos, família e outros. Pessoas com tais princípios hoje, são “levadas ao Coliseu” para serem “devoradas” pelas feras deste tempo.

c). Os que choram também são aqueles que choram pela iniquidade alheia, conhecendo sua recompensa. São aqueles que choram por saberem que o iníquo será castigado, então, o cristão clama a Deus por estes. Os que choram, clamam pelo fim da iniquidade e não se contentam no fato de se sentirem salvos. O choro aqui, pode ser visto como o clamor e súplica em intercessão pelos perdidos.

Alguns consideram o “choro” citado neste texto, somente com a tristeza pela perseguição que é feita aos cristãos genuínos, mas, para Wesley, esse choro se estendia a toda tristeza que vinha por motivo de afastamento de Deus, pelos pecadores e obviamente, pela perseguição. A questão também da expressão “bem aventurados” é questionada por alguns, afirmando que essa expressão não significa “felizes” como usualmente é vista. Dizem que é contraditória, pois ficaria assim “felizes são os que choram, porque serão consolados”. Na minha opinião, não é contraditória, porque a mensagem diz que serão felizes os que choram (hoje) porque (amanhã) serão consolados. Literalmente denota que os que choram serão recompensados e têm ciência disto, por isso são felizes por terem essa esperança viva.

4. Bem aventurados os mansos, pois eles herdarão a Terra (v. 5)

Agora, Jesus nos fala sobre os mansos. O que é a mansidão? Primeiro é importante ver que a Bíblia nos fala da mansidão como um dos frutos do Espírito (Gl 5:22), então, sua relevância é enfatizada além deste texto.

Ser manso, segundo Wesley, não é aquela pessoa pacata e quieta diante das situações que lhe aparecem, ou uma pessoa completamente inerte aos fatos que vive. É uma pessoa normal diante de todas as situações a que todas as pessoas estão sujeitas, inclusive, das situações que lhes trazem à ira. Contudo, a mansidão não é ausência do sentimento de raiva, preocupação ou ira, mas, é o autocontrole sobre as emoções diante dessas mesmas situações, principalmente, das situações que envolvem outras pessoas.

Wesley também define a mansidão de três formas (pág 28 §4):

a). A compostura mental quando se refere a Deus é chamada de Resignação - uma calma sobre as questões da vontade de Deus sobre nós, ou seja, a capacidade de aceitar a vontade de Deus, mesmo que essa seja dolorosa. Para exemplificar isso, Wesley cita o verso: “Ele é o Senhor; faça o que bem parecer aos seus olhos” (I Sm 3:18)

b). A segunda forma da mansidão é em relação a nós mesmos, o que é definido como paciência ou contentamento.

A terceira forma é com relação aos outros que é definida como brandura para o bem e gentileza para o mal.

"é evidente que esse temperamento divino não deve apenas permanecer, mas aumentar em nós dia à dia. As ocasiões de exercitá-lo e, portanto, de aumentá-lo, nunca vão faltar, enquanto estivermos na Terra. 'Precisamos de paciência, para depois de termos feito' e sofrido 'a vontade de Deus, possamos receber a promessa'. Precisamos de resignação, para que possamos em todas as circunstâncias dizer: 'Não seja como eu quero, mas, como tu queres' (Mt 26:39). E precisamos de gentiliza para com todos os homens, mas especialmente com os maus e ingratos. Do contrário, seremos vencidos pelo mal, em vez de vencer o mal com o bem"
(Sermão do Monte - John Wesley, página 29, §6)

Wesley lembra o que Jesus ainda vai falar no Sermão do Monte, sobre “todo aquele que se encolerizar contra seu irmão será réu…” (Mt 5:21-22). Isso significa que para ser manso, precisamos de outro fruto do Espírito: o domínio próprio. A raiva contra o próximo é algo tão grave diante de Deus, que Jesus chega a dizer que a mesma pode levar uma pessoa à condenação eterna. Neste texto de Mateus, Jesus chega a citar que qualquer um que chamar seu irmão de “Raca” (quer dizer, vão ou tolo), será réu do sinédrio e quem chamar seu irmão de louco, será réu do inferno, ou seja, a condenação máxima para um ser humano. A mansidão faz com que você até possa se irar, mas, terá o autocontrole para não dar fôlego aos sentimentos que podem ser destrutivos.

Em uma nota especial de minha parte, vou lembrar de um jargão popular “gentileza gera gentileza” (José Datrino). O autor, nada tem haver com os princípios bíblicos, mas, não dá pra negar que esta frase está correta. Uma pessoa calma e gentil, tem maior eficiência em tratar de assuntos tensos, visto que sua calma, além de fazer pensar melhor, também ajuda outros a se acalmarem, o que por outro lado, uma pessoa que agride outras verbalmente ou de qualquer outra forma, só aumenta a tensão e os prejuízos causados por ela.

Jesus estava ensinando sobre as qualidades e atitudes que são valorizadas no Reino dos Céus. Quando ele diz "Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a Terra", ele está se referindo a uma qualidade de mansidão ou humildade, não no sentido de fraqueza, mas de serenidade, paciência e controle sobre si mesmo, especialmente em situações difíceis.

Portanto, a mensagem central é que, de acordo com a visão de Jesus, aqueles que mantêm um coração humilde, sereno e pacífico são considerados bem-aventurados (felizes) e receberão recompensas espirituais, podendo desfrutar de uma espécie de herança, seja espiritual, seja no Reino dos Céus, onde encontrarão a plenitude e a paz.

por Rogério Filho