O livro de Miquéias

Introdução

É comum eu receber alguns questionamentos sobre Deus e sua bondade, como por exemplo, a pergunta que por eras se repete: “se Deus é bom, porque permite o mal?”. Eu mesmo, tive vários momentos em que eu não conseguia entender o porquê de várias situações difíceis que eu havia conhecido em minha vida ou conhecido a partir de fatos na vida de pessoas que conheci.

Observando durante anos as marés da vida, aprendi que todas as coisas têm um propósito e que também nossas escolhas têm suas consequências. Isso quer dizer que alguns “desertos” que passamos é um momento de treinamento para um propósito futuro, já outros desertos, são como a vara de correção.

Tanto Israel - reino do Norte, como Judá - reino do Sul, fizeram várias escolhas erradas ao longo de sua história. Em alguns documentários sobre arqueologia, vi achados nas terras de Israel, estatuetas, amuletos, ou seja, indícios de adoração pagã no meio do povo de Deus e as Escrituras nos confirmam esses fatos que se tornam irrefutáveis, pois ambas as fontes - ciência e teologia, comprovam a veracidade dessa informação. Assim, o povo se tornou passível da correção do Eterno. Povos inimigos vieram contra Israel e Judá e os venceram, mas o povo de Deus não foi derrotado por estar fraco, mas por estar longe de Deus, como está escrito no livro de Deuteronômio:

Eis que ponho diante de vós a bênção e a maldição; a bênção quando cumprirdes os mandamentos do Senhor vosso Deus que hoje vos mando, porém, a maldição, se não cumprirdes os mandamentos e vos desviardes do caminho para seguirem outros deuses.
(Dt 11:26-28).

Vemos de maneira muito clara, que a desobediência culmina em maldição e foi exatamente isso que aconteceu com Israel nos dias de Miquéias.

A perversão de Judá

Miquéias, natural da cidade de Moresete em Judá, cerca de 32Km à sudoeste de Jerusalém. Foi contemporâneo dos reis Jotão, Acaz e Ezequias (Mq 1:1).
O rei Jotão, andou corretamente diante de Deus, mas o povo se corrompia (II Cr 27:2). Apesar de Jotão ter em seu coração em seguir a Deus, ele errou gravemente em não repreender a idolatria, como mostra o texto de II Rs 15

tão somente os altos não se tiraram, o povo queimava e sacrificava incenso nos altos” (II Rs 15:35)

Os “altos” dão a entender os altares criados para os deuses pagãos. Vemos aqui que Jotão foi obediente, mas como líder do povo, ele devia ter eliminado essa prática, mas, não o fez.
Quando iniciamos a leitura do Livro de Miquéias, percebemos várias repreensões, mas, não somente a Judá, mas também a Israel. E devido a desobediência, havia uma promessa de maldição, como vemos nos versos à seguir:

qual é a transgressão de Jacó, não é Samaria? E quais são os altos de Judá? Não é Jerusalém? Por isso, farei de Samaria um montão de pedras no campo, uma terra de plantar vinhas e farei rebolar as suas pedras no vale e descobrirei seus fundamentos. E todas suas imagens de escultura serão despedaçadas e todos os seus salários serão queimados pelo fogo e de todos os seus ídolos, farei assolação, porque o preço de sua prostituição os afundou e em recompensa de prostituta se volverão … e se chegou até Judá e estendeu-se até a porta do meu povo” Mq 1:5-9

Vemos neste texto que ambos os reinos pecaram com pecado de idolatria. Por exemplo, o rei Jeroboão II (rei de Israel) fez dois bezerros de ouro e convocou o povo para adorarem a imagem (I Rs 12:28-30), contrariando o mandamento que diz:
não farás para ti imagem de escultura… não a adorarás e nem te encurvará diante delas” Ex 20:4-5

Vemos aqui uma possível adoração ao deus egípcio Ápis, que era representado pelo boi ou touro. Acredito que essa relação com Ápis esteja na fala de Jeroboão que diz: "vês aqui teus deuses, ó Israel, que te fizeram subir da terra do Egito..." (I Rs 12:28)

Além disso, há indícios históricos e bíblicos da adoração a um deus cananeu chamado moloque, o qual o sacrifício oferecido eram bebês ainda vivos para serem queimados em sacrifício.

Toda essa idolatria trouxe sobre o povo a ira de Deus e as consequências vieram. A invasão de Israel pela Assíria em 722 aC e a invasão de Judá e o exílio babilônico em 586 aC.

Falsos profetas (capítulo 3)

Uma das mais duras mensagens do livro de Miquèias é contra os sacerdotes do Templo. Aqueles que deveriam ensinar os caminhos do Senhor para o povo, eram justamente os que não o faziam. Seus ensinos e profecias eram conforme seus interesses. Vamos analisar alguns versos:

...ouvi agora, vós chefes de Jacó e vós, príncipes da casa de Israel: não é a vós que pertence o saber direito? A vós que aborreceis o bem e amais o mal…” Mq 3:1-2

Assim diz o Senhor contra os profetas que fazem errar o meu povo, que mordem com seus dentes e clamam: Paz! Mas, contra aquele que nada lhes mete na boca preparam a guerra”. Mq 3:5

Nestes dois textos, vemos uma clara admoestação contra os líderes e também a Palavra de Deus direta contra essas pessoas. Israel e também Judá se afastaram de Deus influenciados por falsos profetas. Isso me leva a refletir sobre alguns aspectos:

1. A quem devemos ouvir?
Quando ouvimos uma profecia ou mesmo um ensino na igreja, devemos analisar os pontos de origem (fonte dos dados) e o ponto de destino (propósito). Se ambos os pontos ou mesmo apenas um dos dois for incompatível com as Escrituras, cuidado! É muito comum dar crédito a mensagens do tipo: “O Senhor vai fazer…” As pessoas tomam para si sem questionar se realmente são verdade, ou seja, se realmente a mensagem vem de Deus. Mas, uma observação importante é necessária: Deus fala conosco através de seus servos, e palavras de bênçãos existem sim e disso, não quero lhe colocar dúvidas. O intento deste alerta é sobre o cuidado com profecias, pois há aqueles que usam de mensagens assim de forma capciosa.

Bem, voltando à análise do contexto, os profetas dirigiam mensagens com esse conteúdo, pois, atraíam a atenção. O capítulo 3, chega a dizer que esses líderes barganhavam, ou seja, recebiam propina por sentenças. Veja o texto:

...os seus chefes dão sentenças por presentes e os seus sacerdotes ensinam por interesse e os seus profetas adivinham por dinheiro e ainda encostam no Senhor dizendo: Não está o Senhor no meio de nós?” Mq 3:11

Pessoas que usaram da fé para obterem seus próprios interesses. E abrindo aqui uma reflexão sobre exclusivamente o verso 11, em comparação com as igrejas de nossos dias:

a) Seguir um líder herege pode nos levar a Cristo?
Pra começar, é bom lembrarmos que somente o Espírito Santo nos convence do pecado (Jo 16:8), sendo assim, líder nenhum pode converter um homem pecador. O líder é usado por Deus através do Espírito Santo para alcançar uma alma.

Se um líder é herege, ou seja, perverte o que as Escrituras nos ensinam, esse líder fará com que seus discípulos andem no erro, afastando-os de Deus exatamente como mencionado no verso 5 (cap. 3). Comparando as situações de Israel e Judá, nos dias de Miquéias e de nossos dias, podemos perceber um paralelo, onde vemos a “indústria gospel”. Pastores, missionários, cantores que levam suas mensagens “ao gosto do freguês”. Comparando com a mensagem de Miquéias, vemos que o profeta de Deus traz uma exortação ao povo, da mesma forma, o profeta Oséias, seu contemporâneo, contudo, essa mensagem não foi ouvida pelo povo, pois o que eles queriam ouvir não era a denúncia de seus pecados, mas uma mensagem que fosse adaptada para o agrado do povo encerrada com a frase “... não está Deus no meio de nós? Nenhum mal vos sobrevirá.” (v. 11)

Minhas palavras aqui, não são para ser contrário às palavras de que Deus está abrindo portas, lhe abençoando com algo que você tem buscado, mas é a exortação para ouvir tanto as mensagens que nos são agradáveis aos ouvidos, quanto às que não são, ou seja, a exortação de Deus, pois se Deus quer nos corrigir, é porque estamos andando no erro e Ele nos corrige porque nos quer bem e isso é uma bênção! Rejeitar a correção de Deus é tolice, pois é caminhar para a perdição. Foi o que aconteceu com o povo.

E ainda lembrando que o apóstolo Paulo disse a Timóteo o que viria nos últimos dias, que um perigo grave que nasceria dentro da igreja para enganar, esses seriam os falsos profetas. E as pessoas vão gostar disso, pois não querem mais a doutrina sagrada, vão rejeitar os ensinos apostólicos que replicam as palavras de Jesus:

Porque virá o tempo que não sofrerão a sã doutrina, mas tendo comichão nos ouvidos, amontoarão para si doutores conforme suas próprias concupiscências e desviarão os ouvidos da verdade, voltando-se às fábulas.”. (II Tm 4:3-5)

Vemos aqui, Paulo falando que o povo teria seus “doutores”, ou seja, seus guias mentirosos, que ensinariam conforme suas próprias concupiscências. Isso combina com as igrejas e líderes religiosos que preferem ter público do que pregarem a verdade. Também comparados ao povo de Deus em Israel e Judá nos dias de Miquéias. Então, se uma liderança é herege, ela não deverá ser seguida, pois levará seus discípulos à perdição.

b) Perda da salvação
Como podemos ver, os falsos líderes foram exortados por Deus, por seus falsos ensinos, mas isso não foi desculpa para que o povo pudesse sair impune, ou seja, a idolatria que cercou o povo de Deus e teve culpa do próprio povo, por preferir ouvir tais profetas, não rejeitar os ensinos mentirosos e deixarem de cumprir o que Deus ordenou. Como consequência, tanto Israel como Judá, foram destruídos por guerras, as quais foram correção divina. Comparando com os dias de hoje, o fato de seguir doutrinas pervertidas, vão nos afastar de Deus nos colocando contra Ele e na consciência de muitos, estão andando com Deus por seguir tais profetas. Isso aconteceu com o povo e muitos se enganaram ao pensar: “Deus não castiga, porque Deus é amor”. Perceba: justamente por Deus nos amar, é que Ele nos disciplina! Porém, há um limite de tempo, ou seja, enquanto ainda respiramos. Não somente no livro de Miquéias vemos o castigo de Deus, mas em toda a Bíblia. Por exemplo, o casal Ananias e Safira (At 5) e as profecias escatológicas, inclusive de Jesus que dizia que os ímpios terão seu castigo.

O anúncio da vocação dos gentios e o aviso do juízo divino

... e irão a muitas nações e dirão: Vinde, subamos ao monte do Senhor e à casa de Jacó, para que nos ensine os seus caminhos e nós andaremos pelas suas veredas; porque de Sião sairá a Lei e a Palavra do Senhor de Jerusalém.” (Cap. 3:2)

No verso 1 o texto inicia com as palavras “nos últimos dias”, vemos aqui uma mensagem escatológica e no verso 2, vemos que os gentios buscarão conhecer a Deus e buscarão esse conhecimento com Israel (o povo de Israel). Talvez essa profecia não esteja falando do fim dos tempos, mas da Era Messiânica, pois com a vinda de Jesus, povos de todo o mundo foram buscar conhecimento de Deus com os judeus (Jesus, os apóstolos e aqueles que pregaram o evangelho após a ressurreição de Jesus), os quais aprendemos por meio deles até nos dias de hoje.

Contudo, o texto vai mais além no verso 3, onde a informação mostra talvez o período após a volta de Cristo, pois diz que será um tempo de imensa paz, não existirá mais guerra. No meu entender, parece que os versos 1 a 8 estão falando do tempo entre a primeira e segunda vinda de Jesus. Já nos versos 9 à 12, temos uma profecia do cativeiro babilônico que aconteceu no ano de 586 a.C. em Judá. Os babilônios invadiram Judá, destruíram a cidade e o Templo e tomaram seu rei. Vemos uma pergunta no verso 9:

e agora, ṕorque farás grande pranto? Não há em ti rei? Pereceu teu conselheiro?

O texto segue no verso 10 dizendo que “irás até a Babilônia e serás livrada”. Provavelmente, o texto está mencionando a derrota da Babilônia pelos Persas e sua permissão para voltar para Judá e reconstruir o Templo.

A vinda do Messias e a diáspora

O capítulo 5 já começa com a profecia sobre o nascimento de Jesus - o Messias, em Belém. Junto com a profecia messiânica, estão as promessas de vitória e paz, pois o Messias lutaria por Israel:

...a tua mão se exaltará sobre os teus adversários e todos os teus inimigos serão exterminados” (Mq 5:9)

E em meio à uma promessa de grande bênção vindoura, ainda há predição de que o povo se espalharia pela Terra. Provavelmente o texto faz referência às duas invasões: Israel em 722 a.C pelos Assírios e em 586 a.C. a invasão em Judá pelos babilônios.

... esse consumirão a terra da Assíria e a terra de Ninrode [Babilônia]...” (v.6) E o texto que predisse essa diáspora esclarece:
e o resto de Jacó (Israel) estará em muitos povos… estará entre as nações” (Mq 5:7-8)

Uma nota sobre a história de Israel desde Jeroboão II até o século XX, é que Israel nunca mais conseguiu se unir novamente. Eles foram divididos em dois reinos, na época das invasões foram dissipados, após retornarem (ano de 538 a.C), ainda não conseguiram se estabelecer plenamente e depois de Cristo, por volta do ano 70 d.C, a destruição romana e mais uma vez os judeus são espalhados e fogem pelo mundo (segunda diáspora). No século XV, no ano de 1492 d.C, os judeus que estavam em Portugal, tiveram sobre si um edito que lhes obrigava a se converterem ao cristianismo católico e se tornarem "os critãos novos" ou serem expulsos do país. Com esse edito, vários Judeus atravessaram o Atlântico em busca de um novo lar, inclusive, muitos chegaram no Brasil anos depois, junto com Pedro Álvares Cabral.

Em 1939 d.C. durante o início da I Guerra mundial, cerca de 6 milhões de judeus foram mortos em campos de concentração nazistas e mais uma vez sendo espalhados pelo mundo.

Como podemos perceber, a profecia que falava sobre a diáspora, se cumpriu por milênios até que em 1948 d.C. Os judeus têm sua nação estabelecida, mas, não de forma fácil e pacífica, pois países como Arábia, Egito, Tunísia e outros, lutaram contra Israel, contudo, não prevaleceram, confirmando a profecia de que o Messias exterminaria seus inimigos. Mesmo em desvantagem, Israel venceu os Árabes ainda no ano de sua independência.

E também, mais uma vez uma situação que só tem explicação por um milagre da mão de Deus sobre Israel, foi a guerra dos seis dias em 1967 d.C, onde Israel lutou contra Egito, Síria, Jordânia e Iraque, que, por sua vez, receberam o apoio de Kuwait, Líbia, Arábia Saudita, Argélia e Sudão. Mesmo em tanta desvantagem, Israel venceu a guerra, mais uma vez comprovando que o Eterno os segurava pela mão.

Relacionando as profecias de Miquéias sobre a diáspora vindoura até que Israel novamente se unificasse, com relação aos fatos históricos remotos e recentes (menos de 100 anos) vemos que o conteúdo das profecias de Miquéias é muito abrangente, pois Israel foi espalhado e reunido novamente e novamente espalhado na invasão romana em 66 d.C e tornou a se reunir em 1948 d.C. como nação.

A contenda de Deus com o povo

Onri, foi o sexto rei de Israel e o pai do rei Acabe. Se tornou rei por volta de 885 a.C. Foi um rei que deu continuidade à idolatria de Jeroboão se segundo o texto bíblico, foi ainda pior do que seu antecessor:
... e veio a fazer pior do que os que o precederam” (I Rs 16:25)

O povo deu continuidade aos conceitos de Onri e isso fica muito claro ter desagradado a Deus, e com essa desobediência, as consequências chegaram. Dentre os erros de Israel e Judá, os textos de Miquéias 6 e 7 mostram algumas coisas:

  • "Porque os seus ricos estão cheios de violência, e os seus habitantes falam mentiras e a sua língua é enganosa na sua boca." (Cap 6:12)
  • "Porque se observam os estatutos de Onri, e toda a obra da casa de Acabe, e andais nos conselhos deles; para que eu te faça uma desolação, e dos seus habitantes um assobio; assim trareis sobre vós o opróbrio do meu povo." (Cap 6:16)
  • "Já pereceu da terra o homem piedoso, e não há entre os homens um que seja justo; todos armam ciladas para sangue; cada um caça a seu irmão com a rede, As suas mãos fazem diligentemente o mal; assim demanda o príncipe, e o juiz julga pela recompensa, e o grande fala da corrupção da sua alma, e assim todos eles tecem o mal." (cap 7:2-3)


Conclusão

Deus quer o melhor para todos, porém, esse melhor, muitas vezes não é compreendido e em decorrência disso, buscamos nossas vontades à partir de nossas próprias escolhas que em muitos casos divergem da vontade de Deus. Quando buscamos nossos próprios caminhos, as mensagens que nos agradam é que estamos certos, que tudo vai dar certo, etc. Se ouvimos uma mensagem dizendo: “arrepende-te”, então logo acreditamos que essa mensagem é para outra pessoa e não para nós. Muito cuidado com esse conceito.

Apesar de termos uma vida de muitos erros, a boa notícia é que Deus é misericordioso e perdoador e que mesmo se estamos errantes, mediante ao arrependimento sincero, podemos voltar aos seus braços e viver em paz com Deus, por isso, é sempre necessário refletirmos sobre nossas ações, pensamentos, se estamos andando conforme as Escrituras e sempre buscando a Deus em oração e adoração, porque, a voz de Deus sempre nos levará a Ele.

Espero de coração, que este estudo seja bênção para todos aqueles que o lerem e que ajude pessoas a entenderem melhor a Bíblia.

Deus abençoe a todos vocês em nome de Jesus!

Por Rogério Filho