AULA 2 - O CATIVEIRO BABILÔNICO



Introdução

Após a queda da Assíria 612 aC, pela aliança entre os caldeus e medos, o império babilônico cresceu rapidamente. O rei que invadiu Judá foi Nabucodonosor. Na verdade, houveram três períodos da invasão e a mais lembrada é a última, no ano de 586 a.C, mas houveram duas anteriores, sendo que a primeira foi em 609 a.C, quando Nabucodonosor traz alguns nobres de Judá. Segundo a profecia de Jeremias, o cativeiro duraria 70 anos (Jr 25:11) e foi exatamente como aconteceu, o cativeiro teve início no ano 609 a.C e seu término do ano de 539 a.C e no ano seguinte (538 a.C.) o povo judeu dá início ao retorno para Judá.

609 a.C. 597 a.C. 586 a.C. 538 a.C.
O império babilônio leva nobres cativos de Judá Nova invasão e novamente, pessoas são levadas para a Babilônia Terceira invasão babilônica que culmina na destruição do Templo de Jerusalém O rei persa Ciro, faz o decreto que liberta o povo judeu e permite seu retorno para Judá


Aspectos sociológicos e religiosos

Quando lemos o livro de Daniel, poucos percebem que Daniel e seus amigos - Hananias, Misael e Azarias, eram jovens realmente fiéis a Deus mas honraram seus superiores mesmo sendo pagãos. Há um ensinamento muito importante no início do livro de Daniel que nos traz lições importantes para os dias de hoje. Como ser um cristão fiel, vivendo na direção de Deus, mas também honrando nossos líderes pagãos? O que as Escrituras nos dizem sobre as lideranças do mundo? Vamos ver como tudo começa e se desenrola ao longo da história.

“3 E disse o rei a Aspenaz, chefe dos seus eunucos, que trouxesse alguns dos filhos de Israel, e da linhagem real e dos príncipes, 4 Jovens em quem não houvesse defeito algum, de boa aparência, e instruídos em toda a sabedoria, e doutos em ciência, e entendidos no conhecimento, e que tivessem habilidade para assistirem no palácio do rei, e que lhes ensinassem as letras e a língua dos caldeus. 5 E o rei lhes determinou a porção diária, das iguarias do rei, e do vinho que ele bebia, e que assim fossem mantidos por três anos, para que no fim destes pudessem estar diante do rei.” Dn 1:3-5

Quando os jovens foram trazidos para a Babilônia, na verdade, não vemos um ambiente de escravidão. Ao contrário, vemos uma situação convidativa, para não dizer tentadora. Os jovens foram colocados para servir ao rei, aprender a cultura babilônica e até sua alimentação seria diferenciada e agradável. Viveriam no palácio e seriam honrados pelo rei se dessem bons resultados.

Observe que a intenção do rei, nesta primeira fase, não era maltratar os jovens, mas sim fazer com que sua identidade original fosse anulada e transformada pelos caldeus e apropriar-se da inteligência desses jovens. Sendo esses mesmos jovens ícones para o povo judeu, Nabucodonosor destruiria os judeus de dentro para fora, sem a necessidade de violência. Bastava para Nabucodonosor transformar suas mentes para fazê-los escravos sem que eles ao menos se dessem conta.

Uma das ações preliminares de anulação de sua identidade começa pelos seus nomes. Uma nota importante sobre a escolha de nomes na cultura judaica, até os dias de hoje, é que o nome deve ter um significado que combine com a pessoa e que atribua louvor e gratidão ao Senhor. Em outras palavras, no judaísmo, ter uma referência a Deus em seu nome sempre foi algo muito relevante, por isso, seus nomes eram dados com essa premissa. Os nomes de Daniel, Hananias, Misael e Azarias tinham significados muito especiais que os identificavam como parte do povo escolhido, o povo de Israel. Vejamos:

  • Daniel - Deus é o meu juiz
  • Hananias - Deus foi gracioso comigo
  • Misael - Quem é como Deus
  • Azarias - Deus é quem me ajuda

Ao serem recebidos no palácio, seus nomes passam a ter significados diferentes em honra aos deuses babilônicos. Este já foi um passo para dar início ao processo de anulação da identidade judaica. Vamos ver:

  • Beltessazar (Daniel) - Bel protege a vida do rei (Bel, também chamado de Marduk, o principal deus do panteão neobabilônico)
  • Sadraque* (Hananias) - Inspiração do Sol, Deus, autor do mal, seja favorável a nós, deus nos proteja do mal.
  • Mesaque* (Misael) - Aquele que pertence à deusa Sheshach.
  • Abede-Nego (Azarias) - nome aramaico e possivelmente significa “servo do deus Nabu”.

(*OBS: os registros sobre a exatidão dos significados dos nomes de Sadraque e Mesaque são duvidosos, pois em alguns artigos, informam que esses nomes na verdade não eram babilônios. Isso pode significar divergências em outras literaturas sobre os nomes dos jovens.)

Ao analisar o texto, vemos que o livro de Daniel destaca quatro jovens que decidiram não se contaminar, o que leva a uma conjectura e consequentemente a uma pergunta: e os outros jovens judeus? Muitos não se dão conta de que não foram apenas quatro jovens hebreus que foram levados cativos, mas muitos outros. Contudo, vemos um destaque apenas para Daniel, Hananias, Misael e Azarias. Vamos ver alguns casos onde estes jovens recusaram tentações por amor e fidelidade a Deus. O seu propósito era servir a Deus e amá-lo, manifestando esse amor através de sua obediência inegociável a Deus. Na verdade, não há amor a Deus sem obediência aos seus mandamentos. Quando falamos que os jovens se mantiveram firmes, era porque seu propósito era serem homens de Deus, independentemente de estarem sendo vistos pelos outros ou não, e mesmo que essa obediência lhes custasse a própria vida.

A questão da obediência dos jovens não era por medo de uma má reputação entre os judeus. A obediência era fruto do amor que eles tinham por Deus e por reconhecerem que na Sua Lei, eles tinham paz com Deus. Dentre os exemplos de obediência a Deus, vemos algumas situações onde Daniel e seus amigos tiveram que ter pulso firme para não desobedecerem a Deus. Vamos ver alguns casos:

1º. Não contaminar sua alma

“E Daniel propôs no seu coração não se contaminar com a porção das iguarias do rei, nem com o vinho que ele bebia; portanto pediu ao chefe dos eunucos que lhe permitisse não se contaminar.” Dn 1:8

Observe que Daniel propõe algo e seus três amigos estão de acordo em não comer da comida do rei. Se pensarmos bem, talvez não haveria problema espiritual em comer do banquete real, mas, na verdade, há mais de uma implicação nisso e vamos analisá-las agora.

2º. Comidas sacrificadas a ídolos.

Nabucodonosor tinha como deus favorito Marduk (também chamado de Bel). Era comum fazerem oferendas para o seu deus e consagrar os alimentos às divindades. Os jovens não queriam se sujeitar a comerem comidas sacrificadas a ídolos. Alimentos impuros. De acordo com a Lei judaica (Levítico 11), alguns alimentos eram considerados impuros e comer deles era um insulto a Deus por transgredirem mandamentos da Lei. Este provavelmente é outro dos motivos por que os jovens optaram por uma alimentação vegetariana.

A contaminação que Daniel evitava era a de sua alma. A desobediência contamina o homem mais do que o alimento (Mt 15:11-12). A desobediência foi o que “matou” Adão e Eva, pois o fruto em si não fez nada com eles, mas a desobediência os separou do perfeito relacionamento com Deus, trazendo assim sua morte espiritual. Por isso, qualquer coisa que possa ser contrária aos mandamentos de Deus deve ser evitada, pois a desobediência é o que contamina o servo de Deus. Perceba, no exemplo de Adão, que “o comer do fruto” foi o que contaminou o homem. Fica ainda mais claro entender o porquê de Daniel se propor a não comer alimentos impuros e/ou oferecidos.

Dentro de uma ótica cristã, devemos refletir sobre nossas vidas para ver se estamos dando o mesmo valor à obediência a Deus como Daniel deu. Será que deixamos a obediência relativa, de acordo com aquilo que julgamos ser ou não importante? Ou consideramos que há coisas que não têm relevância para serem observadas? Daniel não exitou em deixar de comer carne impura ou comidas sacrificadas, não por costume, mas por obediência que denota amor, independente de quão relevante isso poderia parecer. Se desagradasse a Deus, Daniel repudiava. Lembre-se: o amor a Deus consiste em obedecê-lo, e não existe “nada a ver”; é sim ou não.

3º. Respeito aos líderes

Eu percebo que este tema ou é ignorado ou não compreendido. Daniel agora tinha líderes pagãos e mesmo assim, não vemos Daniel desrespeitá-los com o pretexto de obediência a Deus. Mesmo completamente contrário às práticas pagãs, vemos obediência e submissão da parte de Daniel e de seus amigos.

Daniel e seus amigos foram levados contra a vontade para um lugar onde com certeza não queriam estar. Muito provavelmente, estavam longe de suas famílias (pais, irmãos, etc), pois não vemos nenhum relato sobre elas no livro de Daniel. Possivelmente, foram tornados eunucos (castrados) para que nunca tivessem filhos ou uma família. Diante de tantos fortes pontos negativos, aos nossos olhos, poderíamos pensar: “Daniel deveria odiar essas pessoas, a começar pelo rei e todos os cidadãos babilônios”. Mas não; Daniel tinha um princípio divino que, séculos depois, foi ensinado por Jesus e também por Paulo, que era a obediência e honra aos líderes, independente se esse líder era mau ou não.

Talvez você se pergunte: por que Daniel deveria respeitar seu líder pagão? Ele não deveria desprezá-lo? Em conformidade com as Escrituras a resposta é “não”! Daniel era obediente, humilde e respeitoso. Somente quando o querer do rei conflitava com os mandamentos de Deus, ele não hesitava e obedecia a Deus. Contudo, mesmo assim, não vemos Daniel desrespeitar o rei mesmo em situações conflituosas. Quando ele se dirigia ao rei, não o tratava com desprezo, mas respondia: “meu senhor”, uma expressão de respeito que denota que Daniel o respeitava como seu superior. É interessante também que o respeito de Daniel não era somente para com o rei, mas também com o chefe dos eunucos, que estava responsável pelos jovens. Vamos ver alguns textos que mostram esse respeito com clareza:

  • Texto 1:
    “Experimenta, peço-te, os teus servos dez dias, e que se nos dêem legumes a comer, e água a beber. Então examine diante de ti a nossa aparência, e a aparência dos jovens que comem a porção das iguarias do rei; e, conforme vires, procederás para com os teus servos.” Dn 1:12-13
    Observe que Daniel se declara e aos seus amigos como “teus servos” ao chefe dos eunucos e faz um pedido ao mesmo, não se impoẽ contra ele. Uma ação de submissão e humildade.
  • Texto 2:
    “Mas há um Deus no céu, o qual revela os mistérios; ele, pois, fez saber ao rei Nabucodonosor o que há de acontecer nos últimos dias; o teu sonho e as visões da tua cabeça que tiveste na tua cama são estes…” Dn 2:8
    Observe aqui, que no momento que Daniel está na frente do rei, numa situação que ele poderia barganhar para conseguir bens ou favores, mas ele não o faz, antes, respeitosamente se dirige ao rei.
  • Texto 3:
    “Respondeu Beltessazar [Daniel], dizendo: senhor meu, seja o sonho contra os que te têm ódio, e a sua interpretação aos teus inimigos.” Dn 4:19b
    Mais uma vez, Nabucodonosor teve um sonho e chama a Daniel. Vemos que novamente, Daniel o trata com respeito e submissão.

Em um texto de John Bevere, no seu livro “A recompensa da honra”, ele cita alguns testemunhos sobre honrar líderes que não servem a Deus. Um dos testemunhos é na área política, onde ele desdenhava do presidente de seu país e teve uma experiência com Deus sobre isso, na qual o Senhor o corrigia por sua murmuração (em palavras e pensamentos) contra o presidente de seu país. Essa experiência mudou sua maneira de pensar e de viver, e uma de suas atitudes foi passar a orar por seus líderes políticos em vez de amaldiçoá-los, praticando assim o ensino bíblico de orar por nossos líderes (I TM 2:1-3). Em termos teológicos, se acreditamos que um homem mau pode fazer algo que Deus não permita, então duvidamos da soberania de Deus. O apóstolo Paulo ensinou exatamente isso a Timóteo. Veja o texto:

“Admoesto-te, pois, antes de tudo, que se façam deprecações, orações, intercessões, e ações de graças, por todos os homens; Pelos reis, e por todos os que estão em eminência, para que tenhamos uma vida quieta e sossegada, em toda a piedade e honestidade; Porque isto é bom e agradável diante de Deus nosso Salvador…” (I Tm 2:1-3)

Outro testemunho escrito por Bevere, porém inverso, sobre a questão do respeito pela liderança e seus efeitos, foi de uma mulher que se dizia cristã, trabalhava em uma empresa, mas ela desonrava seus superiores pelo fato deles não serem evangélicos. Sua desonra envolvia ações de desprezo pela hierarquia e desobediência aos superiores. Ela não cumpria os horários, ficava “pregando” para os outros funcionários interrompendo seu próprio serviço e dos outros e deixava suas tarefas de lado, não levava a sério a liderança que estava sobre ela e, com isso, desrespeitava seus patrões. O resultado disso foi um desgosto imenso de seu patrão, não somente pela pessoa dela, mas por todos os que são chamados de evangélicos. Em uma experiência desagradável, Bevere conheceu o ex-patrão dessa mulher que lhe relatou o caso e seu sentimento foi de constrangimento, pois o homem agora entendia que evangélicos são repulsivos. Se ela tivesse se baseado nas Escrituras, saberia que honrar seus superiores, independentemente de serem servos de Deus ou não, é algo que Deus quer, pois traz bom testemunho através das boas ações. A ação da mulher desonrou não somente os evangélicos, mas também a Deus.

Uma séria observação aqui é que honrar nossos líderes não cristãos não é errado, como muitos pensam. O livro de Daniel está repleto desse exemplo, pois, se você analisar o estilo de vida de Daniel e olhar o cenário, verá que Daniel honrava o rei pagão sem nunca desonrar a Deus. Os efeitos desse comportamento de Daniel refletem no próprio rei Nabucodonosor, que acaba reconhecendo “o Deus de Daniel” como único Deus e Soberano. Podemos ver isso no capítulo 4, após Nabucodonosor passar por uma experiência difícil que durou sete anos. Esse efeito poderia não ter existido se Daniel fosse negligente ao achar que deveria ter obediência somente a Deus e desprezar os seus superiores terrenos. Mas, ter respeito aos homens não implica em um descaso com os Mandamentos do Altíssimo e nada que implique em desobedecer a Deus pode ser aceitável para um verdadeiro servo. Sendo assim, a sabedoria do servo de Deus deve atuar. O discernimento de qual direção tomar, quando a liderança humana é conflituosa com nossa obediência divina é imprescindível. Daniel usou de sabedoria inclusive na hora de não aceitar algumas imposições do rei, como por exemplo, deixar de orar; veja o texto:

“(v 7)...concordaram em promulgar um edito real e confirmar a proibição que qualquer que, por espaço de trinta dias, fizer uma petição a qualquer deus, ou a qualquer homem, e não a ti, ó rei, seja lançado na cova dos leões. (v 10) …[Daniel] entrou em sua casa (ora havia no seu quarto janelas abertas do lado de Jerusalém), e três vezes no dia se punha de joelhos, e orava, e dava graças diante do seu Deus, como também antes costumava fazer. 11 Então aqueles homens foram juntos, e acharam a Daniel orando e suplicando diante do seu Deus.” (Dn 6:7-11)

Nesta época, a Babilônia já estava sob domínio medo-persa e seu rei era Dario. Foi feita uma armadilha para prejudicar Daniel. Segundo os detratores, a única forma de fazer Daniel tropeçar seria uma imposição que conflitasse com a Lei de Deus. Então, buscaram algo assim. Fizeram com que fosse imposto que ninguém pudesse orar a Deus. Mas Daniel se recusou a aceitar esta imposição e continuou a orar a Deus, como mostram os versos 7 a 11 do capítulo 6.

Porque o rei Dario gostava de Daniel?

“Então o mesmo Daniel sobrepujou a estes presidentes e príncipes; porque nele havia um espírito excelente; e o rei pensava constituí-lo sobre todo o reino.” (Dn. 6:3)

Neste verso, vemos que Daniel tinha uma responsabilidade incrível naquilo que fazia. Ele não fazia nada "meia-boca", mas procurava entregar suas responsabilidades com perfeição. O verbo "sobrepujar" é sinônimo de "exceder", ou seja, naquilo que Daniel tinha responsabilidade, ele dominava o assunto com excelência e era melhor do que os outros, especialmente os próprios caldeus. Lembrando que Daniel foi colocado como um dos príncipes e, desde a época de Nabucodonosor, já havia adquirido um cargo de liderança e foi muito bem-sucedido em tudo. A responsabilidade que temos em nossos negócios terrenos, como nosso trabalho secular, é um testemunho forte daquilo em que cremos, pois o mundo sabe que as Escrituras nos ensinam a honestidade, a responsabilidade e a competência sobre nossos compromissos. Se assim praticarmos, vão saber que essas características vêm do homem de Deus.

Sobre o caso do decreto real (sobre não pedir nada para ninguém e a nenhuma divindade), podemos ver que apesar de Daniel ter sido contrário ao mesmo, o rei Dario teve seu coração pesado por ter que condenar a Daniel, pois o conhecia bem e sabia que Daniel era uma pessoa responsável e digna. Veja o texto:

“(v. 12) Porventura não assinaste o edito, pelo qual todo o homem que fizesse uma petição a qualquer deus, ou a qualquer homem, por espaço de trinta dias, e não a ti, ó rei, fosse lançado na cova dos leões? (v. 14) Ouvindo então o rei essas palavras, [o rei] ficou muito penalizado, e a favor de Daniel propôs dentro do seu coração livrá-lo; e até ao pôr do sol trabalhou para salvá-lo.” (Dn 6:12, 14)

Apesar do esforço, o rei não conseguiu livrar Daniel, mas, como seu testemunho era algo forte e o rei viu essa fé em prática, o próprio rei Dario reconheceu que Deus o livraria. Veja o texto:

“E, falando o rei, disse a Daniel: O teu Deus, a quem tu continuamente serve, Ele te livrará” (v. 16)

O fato de Daniel honrar seu líder foi crucial para que o próprio rei visse em Daniel o poder de Deus. Este fato também aconteceu com Nabucodonosor, no episódio da fornalha ardente, que se passa entre os amigos de Daniel, onde o testemunho de obediência a Deus foi reconhecido pelo próprio rei.

Não negociar a fé

Os jovens foram chamados para servir ao rei e tiveram seus nomes trocados por nomes que associavam as divindades babilônicas. Foi imposto a eles que aprendessem a cultura dos caldeus, incluindo magia, adivinhação e astrologia, conceitos contrários aos mandamentos de Deus. Com todo esse conhecimento, eles seriam vistos como parte da nobreza, mesmo sendo judeus. Apesar dos benefícios tentadores, os quatro jovens preferiram não negociar sua fé. Por mais atrativas que as propostas pudessem ser, eles jamais abandonaram o Deus Criador para servir ou ao menos aceitar costumes que O desagradariam. Eles se mantiveram firmes no propósito de permanecer íntegros em sua fidelidade ao Senhor.

Há uma reflexão importante neste momento. Quando vemos que os jovens Hananias, Misael e Azarias recusaram ofertas atrativas para deixar os mandamentos de Deus, podemos pensar o quanto nos parecemos ou divergimos desses fiéis servos de Deus. Nossa cultura está cheia de propostas discretas e tentadoras para nos afastar dos mandamentos de Deus. Coisas que parecem muito pequenas, mas que, aos poucos, nos tiram do foco. Um exemplo forte disso são os líderes (religiosos) progressistas, que não pregam sobre a santificação, apenas a justificação.

Atualmente, se você for a várias igrejas, perceberá que muitos jovens não conhecem a Bíblia (apesar de achar que conhecem). Em uma pesquisa, percebi que textos bíblicos famosos, como o "Sermão do Monte", são desconhecidos para muitos jovens que estão dentro dessas igrejas. Por quê? Para mim é muito óbvio: se você prega que o discípulo de Jesus deve levar sua cruz (Mt 16:24), corre o risco de perder seus "clientes". Então, é melhor pregar "você vai conseguir tudo!" Onde isso está nas Escrituras? Para justificar essa falsa teologia, textos bíblicos são usados, como "posso todas as coisas Naquele que me fortalece" (Fl 4:13), onde a mensagem pregada é: “Deus vai te dar tudo o que você sonha!”.

Quando eu vejo este tipo de técnica "fishing" (pescaria, em português), onde palavras são lançadas para fisgar pessoas sem entendimento, lembro-me das palavras do adversário para tentar Eva e Jesus. Se lembrarmos bem, em ambos os casos, a tentação lançada foi usando a própria palavra de Deus. Vamos ver:

  • A tentação de Eva
    Ora, a serpente era mais astuta que todas as alimárias do campo que o SENHOR Deus tinha feito. E esta disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda a árvore do jardim?” (Gn 3:1)
  • A tentação de Jesus
    E disse-lhe: Se tu és o Filho de Deus, lança-te daqui abaixo; porque está escrito: Que aos seus anjos dará ordens a teu respeito, E tomar-te-ão nas mãos, Para que nunca tropeces com o teu pé em alguma pedra.” (Mt 4:6)

Observe que, em ambos os casos, o tentador usou a Palavra de Deus para distorcer a vontade de Deus e estimular a desobediência do homem. Uma técnica muito usada pelo adversário, afinal, se Deus disse, então está certo! Coloca-se a mesma palavra em outro cenário e se tem a mentira pronta, assim como o inimigo fez com Eva e tentou fazer com Jesus. Se observarmos, as palavras tentadoras sempre estão fora do seu contexto. Aqui podemos ver como saber se a mensagem é de Deus ou se é algo para nos afastar de Deus.

Os jovens são as figuras mais fáceis para o adversário, pois é imputada a eles a ideia de que são cheios de força e novas ideias, que sua forma de ver o mundo é mais evoluída e, por isso, são melhores do que os outros. Essa forma de tentação, que trabalha o ego da pessoa, conquista-os facilmente, especialmente os mais jovens, que são presas fáceis para isso, pois não têm experiência real em identificar sentimentos como a soberba, caindo sem muito esforço.

Atualmente, os jovens descartam a experiência dos mais velhos, desprezando assim seu conhecimento sobre a vida e suas tentações. Sem suas próprias experiências e sem aceitar o ensino, eles ficam cegos diante de várias tentações.

O problema é que muitos não são como os jovens hebreus, amigos de Daniel. Eles querem deliberadamente a tentação e uma desculpa para cometer o erro. Essas mensagens sempre são bem-vindas para aqueles que querem dizer que seguem a Deus, mas não querem compromisso com Ele, apenas Suas bênçãos.

O perigo do Sincretismo

A palavra “sincretismo” de maneira simplória significa mistura de culturas. No passado, devido a guerras, invasões e dominações, vários povos se apropriaram das culturas de outros povos, misturando assim ambas as culturas. Isso aconteceu no judaísmo e acontece hoje com frequência no cristianismo.

Você já deve ter ouvido falar de apostasia. Esta palavra significa afastar-se ou ser contrário. Ela vem do grego antigo απόστασις [apóstasis], que significa "estar longe de". Tem o sentido de um afastamento definitivo e deliberado de algo e normalmente está associado à fé. Uma das profecias do Novo Testamento é sobre uma grande apostasia que viria no tempo do fim, quando Jesus predisse: “por se aumentar a iniquidade, o amor de muitos se esfriará” (Mt 24:12). Entendemos que a iniquidade aumenta porque as pessoas ignoram a Deus e seus mandamentos, incluindo aqueles que estão na igreja.

O pior tipo de apostasia não é daquela pessoa que definitivamente sai da igreja, mas daquela que continua na igreja e se apropria de costumes mundanos, tentando até mesmo ensiná-los na igreja. Isso tem sido muito frequente hoje em dia, quando podemos facilmente ver igrejas que não parecem igrejas! Podemos perceber isso pelo estilo de culto, pela mensagem e pelas canções.

Uma nota pessoal sobre apostasia: aos meus olhos, uma das provas de uma grande apostasia que já está ocorrendo de maneira discreta dentro da igreja é a falta de reverência nos cultos. Muitas pessoas atualmente não dão valor ao local onde estão, não entendem que o lugar é consagrado para adoração a Deus e, por causa desse descaso, não têm a devida reverência. Falo isso abordando desde as roupas usadas no culto até conversas paralelas durante os momentos de louvor e pregação, brincadeiras no meio do culto e coisas semelhantes.

As Escrituras, em vários textos, nos falam para ficarmos alertas sobre os falsos profetas. Diferente do que muitos pensam, os falsos profetas não são pessoas que vão se manifestar no mundo; ao contrário, serão pessoas que vão se manifestar dentro do meio cristão para confundir os cristãos com suas falsas doutrinas e, assim, tentar destruir os cristãos de dentro para fora.

Na história do povo hebreu e, mais tarde, dos cristãos, temos vários exemplos disso. No entanto, vamos considerar alguns exemplos históricos que ocorreram em Judá antes de Cristo.

Marduk

Marduk, também chamado de Bel, era o principal deus entre os povos do antigo Oriente Médio e desfrutava de grande fama positiva. Essa fama vinha dos principais impérios que prosperavam na região entre os séculos VIII e VI a.C. Por exemplo, o Império Neobabilônico era devoto de Marduk, e testemunhamos neste império um crescimento exponencial e uma grande prosperidade para o povo. Com isso em mente, um dos reis da Assíria, Esar Hadom, converteu-se a Marduk, e essa conversão foi uma contribuição significativa para a queda da Assíria diante da Babilônia. A crença em Marduk por parte dos impérios em ascensão tornava a "propaganda" de Marduk muito atraente, pois ele era visto como um deus que trazia prosperidade aos seus seguidores.

A adoração a Marduk continuou crescendo e chegou até Judá. Apesar de os judeus crerem em um único Deus, o Criador, eles misturaram suas crenças entre Marduk e Yahweh (o Deus Criador), tratando-os como se fossem um único deus. Assim, sem abandonar sua crença no Deus de Abraão e Moisés, eles também passaram a crer em Marduk. Isso é comprovado pela história, onde foram encontrados artefatos em Jerusalém com símbolos de Marduk.

Mas isso não é tudo. Normalmente, os deuses eram vistos como seres superiores, geralmente belos e muitas vezes com esposas! No caso do Deus dos hebreus, não havia uma imagem Dele nem uma consorte, então os judeus resolveram essa questão de uma maneira peculiar.

Asherah

Havia uma deusa adorada entre os cananeus, e também em vários outros povos, chamada Asherah (em português, é vista com o nome de Azerá). Essa deusa também foi vista em outros povos com nomes como Astarote, Astarte, Ishtar, etc. Tanto na história quanto na Bíblia, às vezes ela aparece como a "Rainha dos céus". Ela também era chamada de esposa de Baal e, em outros casos, de mãe do mesmo. A adoração a Asherah chegou até Jerusalém, como podemos ver no livro de I Reis. Veja o texto:

Porque também eles edificaram altos, e estátuas, e imagens de Aserá [Asherah] sobre todo o alto outeiro e debaixo de toda a árvore verde.” (I Rs 14:23)

Este texto fala do reinado de Roboão, ou seja, por volta do século X a.C. Achados arqueológicos foram encontrados que confirmam isto. Veja a imagem abaixo:

O pedaço de cerâmica encontrado estava na cidade de Kuntillet Ajrud, na Península do Sinai. O desenho realçado do que estava impresso na cerâmica, mostra uma figura como um homem e ao seu lado um pouco atrás uma pessoa como se fosse um guarda e também uma mulher aparece sentada mais atrás, a mulher é Asherah. Na mesma impressão, há uma inscrição em hebraico que diz: “Para Yahweh e sua Asherah”.

O fato de estar escrito em hebraico já diz muito, mas, além disso, este vaso estava nos limites de Israel, ou seja, os hebreus passaram a cultuar Asherah. O problema do sincretismo é que ele vem discretamente e, com o tempo, passa a ser normal. O povo judeu passou a crer que não era idolatria adorar Asherah, pois ela seria “a esposa de Deus”. Vemos isso no século X a.C. (e já existia há muito tempo antes), mas no século V a.C., o povo continuava com a adoração pagã. Por isso, o profeta Jeremias os exorta. Veja o texto:

Os filhos apanham a lenha, os pais acendem o fogo e as mulheres amassam a farinha para fazerem bolos à Rainha dos Céus, e oferecem libações a outros deuses, para me provocarem à ira." (Jr 7:18)

Neste próximo texto, vemos o próprio povo reconhecendo que adoravam a deusa e não fazem caso à exortação do profeta Jeremias. Veja:

Quanto à palavra que nos anunciaste em nome do Senhor, não obedeceremos a ti [profeta Jeremias]; Mas nós certamente cumpriremos todas as palavras que saíram da nossa boca, queimando incenso à Rainha dos Céus e derramando-lhe libações, como nós e nossos pais, nossos reis e nossos príncipes temos feito nas cidades de Judá e nas ruas de Jerusalém; pois então tínhamos fartura de pão, e andávamos alegres, e não víamos mal algum. Mas desde que cessamos de queimar incenso à Rainha dos Céus e de derramar-lhe libações, temos faltado de tudo, e temos sido consumidos pela espada e pela fome. E quando nós queimávamos incenso à Rainha dos Céus e lhe derramávamos libações, acaso lhe fizemos bolos para a adorar e lhe derramamos libações sem nossos maridos?” (Jr 44:16-19)

Observe que o povo de Judá questiona o profeta sobre deixar a adoração a Asherah. Segundo eles, enquanto a adoravam, tinham “do bom e do melhor”, mas ao parar de adorá-la, as coisas começaram a dar errado na ótica deles. Podemos notar a infeliz perspectiva dos judeus ao acharem que Deus era insuficiente para lhes abençoar, pois eles acreditavam que uma deusa que nunca existiu é que os mantinha. Percebe-se também que os judeus não queriam amar a Deus, mas desejavam uma entidade que lhes proporcionasse bens e prosperidade; caso contrário, não desejavam adorá-lo.

O castigo de Judá veio pela adoração a vários deuses estranhos, incluindo Baal, Marduk e Asherah. O povo sofreu amargamente por isso. Outra prova, disponível até os dias de hoje, está na cidade de Tel Motzá, em Israel, onde há um templo pagão construído a apenas 8 km do Templo de Jerusalém. O povo adorava a Deus em conjunto com outros deuses e não considerava isso errado. É curioso o fato de haver um templo pagão tão perto geograficamente do Templo de Jerusalém.

Neste momento é importante falar sobre o Enoteísmo. Conhecemos bem o significado de Politeísmo, que é a adoração a vários deuses, e do Monoteísmo, que é a crença em um único Deus, sem outros. Entre eles está o Enoteísmo, às vezes chamado de monolatria. O Enoteísmo permite a adoração somente a um Deus, mas crê na existência de outros deuses. Quando estudamos as Escrituras, vemos que o povo deveria ser Monoteísta, mas na prática de Israel sempre foi um povo Enoteísta, por isso, aceitavam facilmente clamar por outros deuses quando as coisas estavam mais difíceis.

Nos dias de Daniel

Como vimos no capítulo anterior, o povo hebreu já adorava Asherah há séculos e, quando foram repreendidos por Jeremias (tempos próximos aos dias de Daniel), questionaram ao profeta, dizendo que estavam muito bem adorando a deusa, mas quando pararam de adorá-la, os problemas começaram. Contudo, ao ver a vida de Daniel e seus amigos na Babilônia em 597 a.C., percebo que havia judeus que não aceitaram esse sincretismo e que continuaram a guardar os Mandamentos do Senhor, não se contaminando com as crenças pagãs que os cercavam.

Para Daniel, nada da Lei era insignificante ou sem relevância, pois o jovem guardava tudo em seu coração justamente por amor a Deus. Trazendo isso para o cristianismo, ao nos depararmos com uma denominação herege, enoteísta, ela deve ser repreendida ou deixada para trás. Aqueles que seguem uma falsa doutrina têm a oportunidade de serem corrigidos e passarem a andar em pleno acordo com as Escrituras se forem ensinados, mas se essas mesmas pessoas recusarem o ensino, a responsabilidade será delas. Em um certo episódio, vemos Jesus ensinando aos seus discípulos sobre serem recebidos em uma cidade para pregar. Jesus disse o seguinte: se vocês forem pregar e não quiserem ouvi-los, sacudam o vosso pé e saiam diante deles. Vamos ver o texto bíblico para sermos mais precisos:

E, se ninguém vos receber, nem escutar as vossas palavras, saindo daquela casa ou cidade, sacudi o pó dos vossos pés. Em verdade vos digo que, no dia do juízo, haverá menos rigor para o país de Sodoma e Gomorra do que para aquela cidade.” (Mt 10:14-15)

Primeiro: Por que Jesus ensina isso? Porque certamente houve (e haverá) pessoas que não aceitarão a sã doutrina e vão ignorar a Palavra da Verdade. Segundo: Porque existe a responsabilidade do ouvinte. Se uma pessoa, ou, no caso, uma cidade, não quiser receber as palavras de Deus e suas exortações, então ela será culpada por todos os seus caminhos e receberá castigo por isso.

Vemos que há igrejas pregando falsos evangelhos. Líderes pregando uma fé baseada na crença da denominação e não nas Escrituras. Vemos pastores, cantores e professores literalmente se agredindo verbalmente por questões não bíblicas, enquanto deveria ser completamente o oposto. Deveríamos estar juntos em prol do Evangelho, do qual o Senhor Jesus é o autor e a quem dizemos amar.

Perceba que Daniel, apesar de viver durante a aceitação de tanto sincretismo, não se corrompeu. Ele esteve em um lugar onde poderia ser outra pessoa, mas não o fez. Como o povo era idólatra e ele não, ele poderia abandonar sua fé em decorrência de um descontentamento com Deus, já que o castigo era para os idólatras, e não parecia coerente ele, uma pessoa que guardava os Mandamentos, estar ali no exílio, recebendo o castigo também. Neste caso, Daniel poderia considerar uma injustiça de Deus. No entanto, a postura de Daniel foi de honrar a Deus em tudo e por toda a vida. Ele manteve sua fé inabalável durante toda sua vida; em momento algum deixou de adorar e bendizer a Deus; não desrespeitou o rei pagão, e isso testemunhou do Deus Criador. Ele não teve ódio das pessoas por terem sido idólatras.

Daniel foi um pregador com suas ações; ele conseguiu que reis e pessoas associadas a ele fossem testemunhas do que Deus faz àqueles que são fiéis. Assim, fica a reflexão para este capítulo: quais são os exemplos que inspiram a tua fé? São os de Daniel ou de outro personagem bíblico que tenha uma história semelhante, ou são de líderes sensacionalistas que têm como objetivo a fama e não ganhar almas?

Conclusão

O livro de Daniel está cheio de exemplos de uma firmeza inabalável em seu propósito de guardar a Lei de Deus, pois esta era resultado de seu amor por Ele. Uma fé que realmente existe sempre se manifestará em obras, como disse o Apóstolo Tiago (Tg 2:17). Agora, na Nova Aliança, essas obras se manifestam através da firmeza em guardar e viver todos os ensinamentos de Jesus e de seus apóstolos. A apostasia na igreja não é desculpa para nos desviarmos do caminho de Deus, pois temos Sua palavra para nos orientar. Não há espaço para idolatria em nossas vidas; não há outro deus, só existe um Deus, que é Adonai - o Senhor, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, por quem fomos redimidos e podemos ser salvos.

A idolatria pode se manifestar na adoração a uma pessoa, mas também em objetos e conceitos. Por exemplo, o apóstolo Paulo enfatiza que a avareza (amor ao dinheiro) é idolatria (Efésios 5:5-6). Este é apenas um exemplo para que possamos entender que existem tipos de idolatria, mas que toda idolatria é um pecado grave diante de Deus.

Nas próximas aulas, vamos falar sobre as revelações de Daniel, começando com o primeiro sonho de Nabucodonosor. Vamos revelar cada parâmetro apresentado no sonho, explanando seu significado e mostrando, através da história, o cumprimento de cada evento.

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